segunda-feira, 28 de julho de 2008

Faça o que Quiser...


...

— O senhor só poderá descobrir os caminhos de Fantasia, disse Graograman, através dos seus desejos. E só poderá fazê-lo indo de um desejo para outro. Aquilo que o senhor não deseja, não conseguirá atingir. É esse o significado das palavras "perto" e "longe" neste lugar. E também não basta querer ir embora de um lugar. E preciso que se queira ir para outro. Deixe que os seus desejos o conduzam.

— Mas eu não desejo ir embora, respondeu Bastian.

— Terá de encontrar seu próximo desejo, replicou Graograman quase com severidade.

— E quando o encontrar, como poderei ir embora daqui?, perguntou Bastian.

— Escute, senhor, disse Graograman de mansinho. Há em Fantasia um lugar que leva a toda parte e a que se pode chegar de toda parte. Esse lugar é o Templo das Mil Portas. Ninguém nunca o viu pelo lado de fora, porque não tem lado de fora. O seu interior consiste, porém, em um labirinto de portas. Quem quiser conhecê-lo tem de se aventurar a entrar.

— Mas como, se não podemos nos aproximar desse templo pelo lado de fora?

— Todas as portas, continuou o leão, todas as portas de toda a Fantasia, mesmo uma simples porta de estábulo ou de cozinha, sim, até a porta de um armário, podem ser, em dado momento, a porta de entrada para o Templo das Mil Portas. Se esse momento passa, a porta volta a ser o que era. Por isso mesmo, nunca se pode entrar uma segunda vez pela mesma porta. E nenhuma das mil portas conduz novamente ao lugar de onde se veio. Não há regresso.

— E depois que se está lá dentro, perguntou Bastian, não se pode tornar a sair para um outro lado qualquer?

— Sim, respondeu o leão. Mas não é tão fácil como nas casas comuns. Pois só um verdadeiro desejo pode guiar aquele que estiver no labirinto das mil portas. Quem não o tiver, tem de vaguear a esmo até saber o que deseja. E isso, por vezes, demora muito tempo.

— E como se pode encontrar a porta de entrada?

— É preciso desejá-lo.

Bastian refletiu durante muito tempo, e depois disse:

— É estranho que não possamos desejar aquilo que queremos. De onde virão os desejos? E o que será realmente um desejo?

Graograman olhou o rapaz com ar sério, mas não respondeu. Alguns dias mais tarde, tiveram outra conversa muito importante.

Bastian mostrara ao leão a inscrição no reverso da "Jóia".

— O que significa isto? Faça o que quiser. Deve querer dizer que posso fazer tudo o que me apetecer, você não acha?, perguntou ele.

O rosto de Graograman pôs-se de repente muito sério e seus olhos começaram a faiscar.

— Não, disse ele com sua voz profunda e retumbante. Isso quer dizer que deve fazer sua Verdadeira Vontade. E nada é mais difícil do que isso.

— Minha Verdadeira Vontade?, repetiu Bastian impressionado. E o que significa isso?

— É o seu segredo mais profundo, que o senhor não conhece.

— Então como poderei descobri-lo?

— Seguindo o caminho dos desejos, passando de um para outro até o último. Assim será conduzido até sua Verdadeira Vontade.

— Não me parece muito difícil, opinou Bastian.

— É o mais perigoso de todos os caminhos, disse o leão.

— Por quê?, perguntou Bastian. Eu não tenho medo.

— Não se trata disso, ribombou a voz de Graograman. Esse caminho exige a maior autenticidade e atenção, porque em nenhum outro é tão fácil perder-se para sempre.

— Quer dizer que os desejos que temos nem sempre são bons?, perguntou Bastian.

O leão bateu com a cauda na areia. Levantou as orelhas, franziu o focinho, e os seus olhos cuspiam fogo. Bastian encolheu-se involuntariamente quando Graograman disse, numa voz que fez vibrar o chão:

— E o que o senhor sabe sobre os desejos? O que sabe sobre o que é bom ou não é?

Nos dias que se seguiram a esta conversa, Bastian pensou muito em tudo o que a Morte Multicor lhe dissera. Mas há muitas coisas que não se aprendem só pensando, é preciso vivê-las.

E foi assim que só muito mais tarde, depois de ter tido a experiência vivida dessas coisas, Bastian recordou-se das palavras de Graograman e começou a compreendê-las.

...

Diálogo entre Bastian e Graograman.

Excerto do livro: "A História Sem Fim" de Michael Ende.

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